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“Pode chover água, chover balas, chover bombas, estaremos lutando”

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Professor Vitor Molina na APP/Sindicato de Maringá

Professor Vitor Molina na APP/Sindicato de Maringá (Foto: Daiana Verdério)

A entrevista estava marcada, e ao abrir a porta, lá estava ele com o mesmo corte de cabelo, o mesmo sorriso, o mesmo estilo de roupa, enfim, o mesmo jeito “Molina” de ser. Depois de quase cinco anos, reencontro meu ex-professor de História. O mais interessante foi ele dizer que lembrou de mim. Devo ter marcado as aulas desse mestre.

Vitor Aparecido Molina, 39 anos, é formado em História pela UEM (Universidade Estadual de Maringá), fez pós-graduação em ciências sociais e é professor há mais de 15 anos. Hoje leciona no Colégio Estadual Branca da Mota Fernandes e também no Instituto de Educação Estadual de Maringá. É membro da diretoria da APP/Sindicato de Maringá. Molina é casado há 16 anos com a também professora Keila Patrícia Rocha e juntos têm dois filhos.

Na luta por seus direitos como professor, foi detido no dia 29 de abril em Curitiba, por policiais durante o protesto no Centro Cívico. Os professores da rede estadual do Paraná foram brutalmente atacados pela Polícia Militar a mando do secretário da Segurança Pública Fernando Francischini, quando se manifestavam contra a votação que aprovaria o uso de recursos da Previdência Social dos servidores públicos para suprir dívidas do Estado. Em entrevista ao Jornal Matéria Prima (JMP), Molina contou os detalhes de tudo o que viveu nesses dias.

Um dia de pânico no Centro Cívico – palco da guerra, a violência e truculência contra os professores foi absurda. Foram cerca de 1.500 policiais, 2.000 balas de borracha, mais de mil bombas de efeito moral, sem contar os sprays de pimenta. Armas utilizadas que deixaram mais de 200 pessoas feridas. Ver essas cenas para quem está do outro lado da TV é totalmente diferente para quem esteve presente. Para você, professor, o que aconteceu no fatídico e já histórico 29 de abril?
A violência não começou no dia 29. Eu cheguei em Curitiba no dia 27 pela manhã e todo o Centro Cívico estava tomado por policiais. Do dia 27 para o dia 28 já teve confronto entre os policiais militares e os professores, para retirar o caminhão de som. Já no dia 29 havia milhares de pessoas, tinha aumentado o contingente militar, outras brigadas e soubemos que até a cavalaria estava lá. Quando acabou toda negociação com os Deputados, apareceu uma comissão de deputados e senadores tentando acalmar os ânimos para a votação para que não se acontece-se nada, mas não deu certo. Estávamos na frente, fomos atacados. Foi um susto, bombas vindo não só da PM, mas também da tropa de choque, do Bope [Batalhão de Operações Policiais Especiais], dos prédios em volta, do palácio [Iguaçu], do Tribunal de Justiça e até mesmo o helicóptero. Nós recuamos, pois foi muito forte o ataque da polícia. Levei uma bala de borracha no peito, foi tirada em menos de dois metros de distância, pois estava na frente. Tive uma crise com gás lacrimogênio, fui socorrido por professores pois a PM não deixava ambulância chegar no perímetro da assembleia. Fiquei com duas marcas na coxa e ficou roxo, isso porque eu estava com duas calças. Aí podem me perguntar se eu fui preparado. Eu fui. Nós sabíamos o que nós enfrentaríamos. Fomos com máscaras e óculos, porque sabíamos o que poderíamos encontrar, mas não tamanha coisa. Esperávamos confronto, mas não daquela magnitude. Foi uma praça de guerra. Mas geralmente quando se fala em guerra você tem dois lados e ali só tinha um lado com armas, foi um massacre.
Os estrondos eram resultado da ação violenta de policiais militares contra servidores públicos, a maioria professores da rede estadual. Vocês foram proibidos de se aproximar da Assembleia Legislativa por grades e uma corrente humana de 1.500 policiais. Na luta por direitos, nem o tempo de chuva e frio atrapalharam a manifestação. Os gritos de “eu tô na luta’ não paravam. Você foi preso por policiais no momento do confronto. Como foi esse momento e quais acusações foram feitas contra você?
Eu estava na frente acalmando o pessoal e teve um momento que eu fiquei encurralado entre o efeito da bomba e o do gás. Estava atrás da estação tubo e quando eu pensei em sair fui agarrado. Quando vi eles chegando já fui abaixando, ajoelhando e falando que não precisava prender pois eu me entregava. Mas eles [policiais do Bope] me jogaram no chão, ajoelharam nas minhas costas e xingavam-me. Eu não joguei pedra, eu não fiz nada. Estava ali para protestar e tentar, queira ou não, impedir a votação no protesto e não na violência. Se eu falasse qualquer coisa eles me xingavam e torciam cada vez mais os meus braços. Eram três, um deles abaixou e jogou spray de pimenta na minha boca, o meu rosto ficou todo vermelho. Me levantaram pelas calças como se eu fosse um saco de batata. Primeiramente tentaram me algemar com fita e eu estava perguntando qual que era a acusação, nisso eles me mandavam eu calar a boca. Como não conseguiram me prender com fita, pegaram uma algema de aço e apertaram o máximo possível. Fiquei até com marcas no pulso. Na hora eu disse: ‘não, não precisa me algemar, não estou fazendo nada, estou protestando’. Do Bope eu fui levado para os PM’s, questionei o porquê que estava sendo preso e qual era a acusação. Não tinha acusação. A acusação ali era que eu estava protestando e isso não é crime. Até hoje eu sinto sequelas no meu braço direito, está cada vez mais difícil escrever no quadro.

Fotomontagem: Daiana Verdério

Fotomontagem: Daiana Verdério

As cenas de violência contra professores repercutiram no Brasil e no mundo. Vai ser difícil esquecer o massacre. Assim como em 30 de agosto de 1988, em que o palco também foi o Centro Cívico, no protesto de professores da rede estadual no governo de Alvaro Dias, marcado pelo pisoteio da cavalaria sobre professores desarmados. Depois que saiu nos jornais e internet que você foi preso, amigos, alunos e familiares se comoveram e postaram inúmeras mensagens de apoio a sua luta e dos demais professores. Como foi lidar com isso?
Meu Facebook bombardeou de mensagens e fotos de alunos e amigos. A Keila [a mulher dele] recebeu muitas ligações de professores, família e colegas, todos querendo saber e se informar. O primeiro contato com a Keila foi na delegacia. Ela olhou para mim com uma cara de ‘vou te matar’, ela estava brava, preocupada. A impressão que temos é igual ao Regime Militar. Você some e é preso. No dia seguinte voltamos para a casa. Quando eu fui tomar banho, meu rosto começou a queimar por causa do gás lacrimogênio, tive que jogar vinagre. Era questão de não conseguir nem falar direito por causa do efeito. O spray pegou na minha boca e no rosto, queimava bastante. O gás com a água queima e o olho arde.

Esperávamos confronto, mais não daquela magnitude

Para quem acompanhou pela TV e por vídeos nas redes sociais, a expressão era de não acreditar no que estava acontecendo. Um vídeo gravado pela sua mulher, foi postado na internet mostrando-a dizendo as seguintes palavras: “Impossível respirar, tudo arde, arde o olho, arde a boca, arde o nariz. Horrível o que o governo está fazendo com a gente”. O bloqueio policial nas ruas próximas e a multidão em fuga pelas calçadas e avenida principal. Como você julga as atitudes que foram tomadas pelos policiais?
Vamos relembrar. Esperamos que não aconteça de novo. Infelizmente esse governo repetiu o erro e não parou o ataque. Mesmo depois da greve eles continuam querendo acabar com nossos direitos. Mas é lutar para manter nossos direitos, não só nosso trabalho, é para manter uma educação de qualidade para os alunos e a sociedade.

No dia 9 de maio foi aniversário da cidade de Maringá. Como é de costume, ocorre o desfile em comemoração à data comemorativa. Este ano a chuva atrapalhou e foi cancelado. Mas ocorreu um desfile diferente dos demais anos, uma “passeata” de professores com gritos e muita vontade. Você que estava no meio, conte nos como foi aquele momento?
Era para ter o desfile do aniversário de Maringá. Chegamos lá bem cedo com nossa camiseta de cor preta. O Sismar [Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Maringá] fez as cruzes com os nomes dos deputados, chegamos lá ocupamos a galeria bem próximos aos políticos. Por causa da chuva o desfile foi cancelado, mas nós fizemos o nosso.  Fizemos o percurso em frente à prefeitura mesmo com a chuva. Muita animação, foi histórico isso. Se as autoridades não quiseram fazer, nós fomos lá e fizemos. Mostramos para a população que estamos empenhados, faça sol ou faça chuva, estávamos lá. Pode chover água, chover balas, chover bombas, estaremos lutando.

No dia 11 de junho foi decidido o fim da greve dos professores do Paraná. Foram vários dias sem aulas para os alunos do Estado. Você como professor da disciplina de História, terá mais uma história para relatar para seus alunos. Ao retornar as atividades em sala de aula, fazer o que mais gosta, rever os alunos, criou alguma barreira para você? Como foi?
Mais de um mês de greve após o dia 29. Enfrentando ainda o governo e até a Justiça que não foi a nosso favor. A nossa Justiça não foi justa. Uma greve longa, desgastante. Decidimos voltar porque era o momento. A sociedade nos apoiou muito. Foi uma decisão geral, mais de 70% dos professores decidiram voltar pela sociedade e pelos alunos. Eu sempre gosto de falar, ensinar história para que? É para lutar por direitos. Não adianta ensinar uma coisa e chegar na hora de fazer, eu me omitir. Esse “voltar ali” e ver o reconhecimento dos alunos, faz pensar se valeu a pena. Valeu a pena, o sofrimento diminui, mas a responsabilidade aumenta. Continuo fazendo o que eu amo, o que eu gosto muito. Se antes eu tinha motivo para continuar sendo professor, agora ainda mais. Para tentar mudar, tentar criar uma sociedade melhor e lutar para que nossos governantes invistam em nossa educação e nos professores. Foi gratificante, não no sentido material, porque nós não conseguimos. O primeiro semestre foi de greve, de luta e agora a luta é na sala de aula. A luta não para. E se precisar ir para frente, nós vamos de novo, sempre.


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